Ovacionada, você subiu ao palco.
As crianças
te amam: batem palmas, pulam mesmo sentadas, gritam, vibram por seu nome. As
crianças te amam e isso é coisa tão rara hoje em dia, conquistar o coração
desses pequenos. Uma vez, no entanto, você me disse que conquistar as pessoas
era fácil, difícil era saber lidar e mantê-las por perto. Difícil era saber
lidar com e manter todo este amor vivo, amor que eu vi cada uma delas ter por
você na primeira semana de estágio e meses depois ainda continuar quase o mesmo
– só que um pouquinho maior, desses pouquinhos que mudam tudo.
Você então
está no palco e faz uma reverência como uma atriz diante do rei ao apresentar o
espetáculo que ele mesmo encomendou. Você tira o papel do bolso de trás da
calça jeans azul que contrasta com aquele par de alpercatas pretas e cafoninhas
que eu te disse pra comprar. Você comprou, três dias depois você comprou.
A nossa
camisa do Star Wars fica grande em você – e, consequentemente, gigantesca em
mim. É quarta-feira agora, então, por direito, é o seu dia de usá-la. Tem as
mangas dobradinhas realçando os bracinhos finos e a tatuagem do Marvin-Androide-Paranoide
que ainda tá cicatrizando. Então é nesse instante que você olha pra mim e, eu
sei, deve ter sido difícil me identificar sentado no chão no meio de todos aqueles
pirralhinhos e pirralhinhas que aos quatro anos de idade já têm quase o dobro
da minha altura, mas é verdade: você olha para mim, no meio de tanta gente para
olhar, é para mim que você olha com aquele último suspiro de hesitação, de
nervosismo, como se não fosse boa no que faz ou como se não fosse melhor que eu
em um número infinito de coisas.
Estou
sorrindo daqui, vibrando com a Gabizinha ao meu lado e usando a máscara de
raposa que eles me deram. Aí eu te faço um hang loose e balanço a cabeça
positivamente, tão empolgado quanto a sua plateia original.
Você dá um
bom dia, cumprimenta as professoras, coordenadoras e todas aquelas a quem você
precisa cumprimentar – é isso ou não teremos poder monetário para as coxinhas
todas as quintas à tarde. Depois cumprimenta os pais e por fim dá um alô à criançada.
Elas te
aplaudem.
Elas te
amam.
Você dá
aquele sorrisinho nervoso outra vez, o aparelho transparente brilhando entre os
dentes e o cabelo castanho claro crescendo a todo vapor (me perdoa, eu não vou
te tratar como Jordana dessa vez, vou te tratar como
você).
E você está
no palco, papel em punho e sorrisinho inseguro no rosto. Anuncia a leitura:
“é Pedro
Bandeira”,
você diz,
“minha mãe
sempre lia pra mim”.
As crianças
entram num respeitoso e admirável estado de silêncio quando você começa a falar.
É quando sua voz ressoa em todo aquele pequeno salão nos fundos da escolinha
que o nervosismo aí dentro dissipa e a hesitação também.
As crianças
te amam, aquele amor puro, verdadeiro e gratuito que você mencionou no dia em
que optou por elas ao invés do estágio que te massacraria a alma em troca de
uma conta numerosa.
“eu preciso
disso pra mim”,
você disse,
“eu
preciso, sabe?”.
E eu disse
“vá em
frente”
e você foi.
Você está
aqui agora: lendo Pedro Bandeira, sendo ovacionada por todos aqueles por quem optou
lutar.
Eu espero
que você saiba que há alguém por aqui orgulhoso de suas escolhas e de quem você
se tornou.
Espero que
daquele palco tenha sido minimamente possível enxergar que alguém tem te dito
“parabéns”
mesmo que
silenciosamente, mesmo que na memória ou mesmo à distância.
As crianças
e as professoras e as coordenadoras e as mães e os pais e os avós e eu: todos
te aplaudem ao fim da leitura. Pedro Bandeira não sabe a visão de tamanha graça
e tamanha generosidade que perdeu naquele momento.
Você esteve
linda, tão linda.
E eu espero
que saiba disso.
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