- esses livros são sexy, a nova
garota disse.
- por que?, eu perguntei.
- o último carinha com quem eu saí só
tinha enfeite do Remo no quarto e
wow, isso era uma nova vitória na
vida.
Estes livros estão ao meu redor,
alguns lidos por completo nos velhos tempos, outros lidos parcialmente e a
maioria nem sequer tocada. Um dia foram-me amigos fiéis e ainda o são,
sobretudo nas fases de apego, quando eu tenho coisas mais importantes a fazer
como beijar lábios fixos, saborear gozos a quem devoto minha alma e
preocupar-me com amigos especialistas em computadores. Eu não venero livros ou
autores mortos, não venero velhos safados ou velhos andarilhos budistas-conservadores
viciados em anfetamina. Eu não venero os parágrafos longos nem as digreções
gigantescas, eu não louvo os “hey, ho, baby” nem enfio esses mesmos “babys” em
cada verso copioso que não ouso escrever.
“Esses livros são sexy”, a nova
garota disse e eu sei, eu concordo e assino embaixo, mas é de profunda ficção
julgar que estes livros sejam minha religião quando minha religião, a vida
inteira, foram apenas cabelos longos que sempre me acorrentaram pelos
calcanhares, pelos pulsos ou pelo pau.
Eis minha religião,
eis minha perdição.
Dez anos preso na minha devoção por
aqueles cabelos e dez anos de adeus não concretizados e brigas intensas e
xingamentos e dedos na cara e vais-e-vens permeados por sento em uma pica aqui
e olá para esta vagina ali e eu nunca, nunca li livro algum nesse meio tempo. Você
nunca terá tempo para perder com páginas cultas e mortas quando tem algo mais
obsessivo e abusivo cobrando-o a mente já tão distraída, cobrando-o sanidade,
cobrando-o atenção e cobrando-o por
- por favor, olha pra mim e deixa
dessa merda de livro pra lá, tu não te centras em mais nada quando lê algo ou
assiste essas merdas de séries, tu não
- te centras em porra nenhuma e não
escreve nada realmente importante e não toca em frente tuas próprias histórias
e contos e capítulos quando tá amarrado por longos cabelos pelos
- calcanhares, pelos pulsos ou pelo pau.
Tu és um
- vagabundo preguiçoso que não quer
trabalhar e só fica deitado nessa cama o dia inteiro,
- escrevendo escrevendo escrevendo e
escrevendo, foi o que ela disse nas
entrelinhas, com boas intenções, porém farta de esperar neste vagabundo que
sempre fui um futuro idealizado naquela merda de sonho patético com cerca
branca e filhos com os nomes de seus monstros favoritos da literatura brasileira
e suas cantoras retardadas sem talento para o canto, mas , Diabos, quem liga hoje
para talento quando você simplesmente tem um rosto bonito e levanta as
bandeiras certas? Porque
- tu tens um futuro promissor e tá
jogando fora no lixo não fazendo nada e eu não vou ficar com um cara que vai
trabalhar no supermercado quando pode
crescer e
e se formar
e ser um mestre
e ser um doutor
e ser um grande escritor
ou saber mexer em computadores e eu
não
vou ficar com um cara sem ambição.
Ela disse e disse também que
- tu não leste nenhum desses livros
nos últimos dez anos que estivemos juntos e eu não vou admitir que tu digas que
eu tomo todo o teu tempo quando
na verdade, ela até não tomou por
inteiro, eu é que nunca fui habilidoso em conciliar grandes acontecimentos e
grandes instâncias e grandes presenças e grandes supostos milagres em meio a livros que podem ser lidos mais tarde, em meio a
livros que permanecerão aqui mesmo após a morte do meu corpo e a morte do meu
nome, em meio a séries que não valerão a pena serem assistidas aos fins de
semana quando ela me cobra atenção integral e acha que estou em outras vaginas
quando demoro a responder mas só estou
perdendo tempo
com estas malditas séries e não
com ela, esta digníssima presença e
este digníssimo milagre na minha vida, mísera vida vagabunda.
Então me dá um pouco de
(ela diz):
- atenção, me dá um pouco de atenção,
seu vagabundo com falta de foco e atenção, presta atenção em mim que serei teu
(meu) Deus!
No entanto, estes livros empilhados
agora finalmente podem ser lidos depois do ato da heresia e depois do expurgo,
SENHOR,
EU PEQUEI,
SENHOR,
EU FINALMENTE
FUI EXPURGADO e
posso ler estes livros e assistir a
estes filmes do Woody Allen cujos protagonistas são uns cagalhões intelectuais pretensiosos e rir em euforia quando uma dessas garotas, bobas,
tão bobas, diz que
- eu te acho sexy por todos esses
livros
e agora a nova garota tem esse sorriso
de verão e é um palíndromo perfeito
tão perfeito e tem cheiro de Asteraceaes e eu olho pra ela, olho para estes
olhos escuros e para estes cabelos castanhos e afirmo, na mente mesmo, que se
ela ficar e me escolher, outra vez eu não vou mais ler estes livros e outra vez
vou me enfiar em uma nova religião onde negarei a tudo e a todos e devotarei
minha alma e meu coração àquele altar (se assim ela até desejar).
Porque sou perdido em foco e sou
perdido em atenção, porque meu maior erro será sempre o da total dedicação,
“meu erro é só querer te pertencer”,
eu até diria à nova garota agora
eu até diria ao novo (meu) Deus agora,
mas Ela nem quis ficar.
(que bom)
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