3 de agosto de 2017

Eu não leio tantos livros quanto você acha que leio



- esses livros são sexy, a nova garota disse.
- por que?, eu perguntei.
- o último carinha com quem eu saí só tinha enfeite do Remo no quarto e
wow, isso era uma nova vitória na vida.
Estes livros estão ao meu redor, alguns lidos por completo nos velhos tempos, outros lidos parcialmente e a maioria nem sequer tocada. Um dia foram-me amigos fiéis e ainda o são, sobretudo nas fases de apego, quando eu tenho coisas mais importantes a fazer como beijar lábios fixos, saborear gozos a quem devoto minha alma e preocupar-me com amigos especialistas em computadores. Eu não venero livros ou autores mortos, não venero velhos safados ou velhos andarilhos budistas-conservadores viciados em anfetamina. Eu não venero os parágrafos longos nem as digreções gigantescas, eu não louvo os “hey, ho, baby” nem enfio esses mesmos “babys” em cada verso copioso que não ouso escrever.
“Esses livros são sexy”, a nova garota disse e eu sei, eu concordo e assino embaixo, mas é de profunda ficção julgar que estes livros sejam minha religião quando minha religião, a vida inteira, foram apenas cabelos longos que sempre me acorrentaram pelos calcanhares, pelos pulsos ou pelo pau.
Eis minha religião,
eis minha perdição.
Dez anos preso na minha devoção por aqueles cabelos e dez anos de adeus não concretizados e brigas intensas e xingamentos e dedos na cara e vais-e-vens permeados por sento em uma pica aqui e olá para esta vagina ali e eu nunca, nunca li livro algum nesse meio tempo. Você nunca terá tempo para perder com páginas cultas e mortas quando tem algo mais obsessivo e abusivo cobrando-o a mente já tão distraída, cobrando-o sanidade, cobrando-o atenção e cobrando-o por
- por favor, olha pra mim e deixa dessa merda de livro pra lá, tu não te centras em mais nada quando lê algo ou assiste essas merdas de séries, tu não
- te centras em porra nenhuma e não escreve nada realmente importante e não toca em frente tuas próprias histórias e contos e capítulos quando tá amarrado por longos cabelos pelos
- calcanhares, pelos pulsos ou pelo pau. Tu és um
- vagabundo preguiçoso que não quer trabalhar e só fica deitado nessa cama o dia inteiro,
- escrevendo escrevendo escrevendo e
escrevendo, foi o que ela disse nas entrelinhas, com boas intenções, porém farta de esperar neste vagabundo que sempre fui um futuro idealizado naquela merda de sonho patético com cerca branca e filhos com os nomes de seus monstros favoritos da literatura brasileira e suas cantoras retardadas sem talento para o canto, mas , Diabos, quem liga hoje para talento quando você simplesmente tem um rosto bonito e levanta as bandeiras certas? Porque
- tu tens um futuro promissor e tá jogando fora no lixo não fazendo nada e eu não vou ficar com um cara que vai trabalhar no supermercado quando  pode crescer e
e se formar   
e ser um mestre
e ser um doutor
e ser um grande escritor
ou saber mexer em computadores e eu não
vou ficar com um cara sem ambição.
Ela disse e disse também que
- tu não leste nenhum desses livros nos últimos dez anos que estivemos juntos e eu não vou admitir que tu digas que eu tomo todo o teu tempo quando
na verdade, ela até não tomou por inteiro, eu é que nunca fui habilidoso em conciliar grandes acontecimentos e grandes instâncias e grandes presenças e grandes supostos milagres em meio a livros que podem ser lidos mais tarde, em meio a livros que permanecerão aqui mesmo após a morte do meu corpo e a morte do meu nome, em meio a séries que não valerão a pena serem assistidas aos fins de semana quando ela me cobra atenção integral e acha que estou em outras vaginas quando demoro a responder mas só estou
perdendo tempo 
com estas malditas séries e não
com ela, esta digníssima presença e este digníssimo milagre na minha vida, mísera vida vagabunda.
Então me dá um pouco de
(ela diz):
- atenção, me dá um pouco de atenção, seu vagabundo com falta de foco e atenção, presta atenção em mim que serei teu
(meu) Deus!
No entanto, estes livros empilhados agora finalmente podem ser lidos depois do ato da heresia e depois do expurgo,
SENHOR,
EU PEQUEI,
SENHOR,
EU FINALMENTE
FUI EXPURGADO e
posso ler estes livros e assistir a estes filmes do Woody Allen cujos protagonistas são uns cagalhões intelectuais pretensiosos e rir em euforia quando uma dessas garotas, bobas, tão bobas, diz que
- eu te acho sexy por todos esses livros
e agora a nova garota tem esse sorriso de verão e é um palíndromo perfeito tão perfeito e tem cheiro de Asteraceaes e eu olho pra ela, olho para estes olhos escuros e para estes cabelos castanhos e afirmo, na mente mesmo, que se ela ficar e me escolher, outra vez eu não vou mais ler estes livros e outra vez vou me enfiar em uma nova religião onde negarei a tudo e a todos e devotarei minha alma e meu coração àquele altar (se assim ela até desejar).
Porque sou perdido em foco e sou perdido em atenção, porque meu maior erro será sempre o da total dedicação,
“meu erro é só querer te pertencer”,
eu até diria à nova garota agora
eu até diria ao novo (meu) Deus agora,
mas Ela nem quis ficar.
(que bom)



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