23 de maio de 2017

Você precisa saber que eu sou um Subway de 15cm




Resignação é uma de minhas palavras favoritas, não pelo significado, mas pela sonoridade e pela aparência. Não há muita lógica por trás disso, é apenas umas das palavras que mais gosto de pronunciar.
Resignação.                                                                                                                                                                                                    Resignado.
Aliás, estou resignado. Você está indo embora e estou de mãos atadas, porque não há muito que eu possa fazer ou dizer para fazê-la ficar. Você é impetuosa demais para isso e possui atrás de si uma ideologia forte, digna e justificável onde eu, por ser ontologicamente o vilão, não posso convencê-la do contrário ou mostrar as coisas como no fundo são. Ontologicamente, qualquer coisa que eu diga será, necessariamente, mentira, dissimulação ou vil estratégia. Daí, mantenho-me resignado.
Você aponta um dedo na minha cara e eu não ligo para isso, isso não me ofende. Um dedo na minha cara não é agressão, mas que fique clara a extrema relatividade deste fato. Um dedo na minha cara não é agressão porque coisas piores já foram apontadas para cá e porque talvez eu sempre tenha amado o traço das suas mãos e o formato alongado dos seus dedos. Uma vez você até quis enfiar esse indicador onde os tratados territoriais da Sociedade Protetora dos Animais não permitem para um homem.  Na ocasião, compenetrado, eu até cogitei permitir, mas seus dedos são gigantescos e seria doloroso demais, não tanto para minha moral distorcida, para minha consciência sempre aos frangalhos ou para essa coisa viril e patética que os bons rapazes julgam tão santificada, mas para meu físico ainda intacto. Você dizia até mesmo me admirar por isso, pois sabia que eu não era como aqueles milhares de caras que antes tanto imploraram pelas suas fronteiras de baixo, mas ofendiam-se quando você sugeria a viagem nas fronteiras deles. Certa vez, sorriu-me com aqueles dentinhos bonitos, dizendo que me amava pelos estranhos sacrifícios que eu era capaz de fazer – abrir fronteiras, negar qualquer tipo de estereótipo padronizado ou admirá-la por uma noite inteira no meio daquele vestido que sua excelentíssima família condenara. Bem, fronteiras abaixo mantidas intactas, você apenas brincava e eu no fundo mantinha em aberto; naqueles dias, você fazia muito por mim e eu faria algumas tantas coisas por você.
Sem pesos retrógrados na consciência.
Merda.
Agora, no entanto, você me aponta esse dedo indicador de dar inveja ao doutor que Michael Kyle teve de enfrentar. Não importa os lençóis que tenhamos dividido, os cigarros que tenhamos compartilhado ou as vezes que sussurramos um ao outro as clichês-três-palavras após todos aqueles lençóis melados; não importava o tamanho das playlists que juntos dividimos ou a imensidão de filmes debatidos; não importava o quanto em tão pouco tempo conheceu-me melhor do que minha própria mãe; não importavam as ideologias que tínhamos em comum, não importavam as crenças descrentes e as cosmologias admiradas. Você ainda apontava aquele dedo na minha direção.
Balancei a cabeça, assentindo.
Exigiu-me você qualquer resposta.
Mas você agora estava partindo, apontando o gigantesco indicador na minha cara por finalmente descobrir os demônios que plantei por aí. E aí eu disse eu sou um Subway de 15cm. E você perguntou que porra é essa? Tá de brincadeira de novo? E eu disse claro que não, a lógica toda é que eu sou um sanduíche da Subway, só que de 15cm. Você riu. Riu de nervosa. Acho que no fundo a única a razão para ainda estar sentada ali, diante de mim, é que aguardava algum tipo de explicação ou, no mínimo, um sentido e coerência. Aí eu continuei, explicando que sabe, sou um Subway de 15cm e você perguntou por que essa merda?, eu respondi que sou assim porque sou montado. Apontei para o sanduíche mordido e melecado em minhas mãos e o ergui diante de nossos olhos, explicando com calma que veja bem, eu sou em essência um Steak Churrasco, e na metáfora da explicação, ser um Steak Churrasco significa a natureza dos meus atos. Eu fiz o que fiz e o que te disseram de mim é verdade. Quer dizer, o que te disseram que eu fiz é verdade. Mas eu sou montado, entende? E você só fez um bem audível e desconfiado Hummmm?, porque era tão retardada quanto eu e em alguma escala astrológica conseguia acompanhar meus estranhos raciocínios. Então eu continuei, falando que os atos que dizem que cometi foram reais, na verdade esses atos são a espinha dorsal da história e da verdade, mas aí vem todos os acréscimos na história, versões e detalhes que não foram verdadeiros, mas que se acrescentados ao sanduíche, fazem a sutil e dramática diferença capaz de mudar o sabor e o paladar por completo, certo? E você disse certo. Você disse certo e eu, dentro de mim, esperançoso e emocionado por você pelo menos me dar ouvidos (coisa que poucos haviam feito). 
                Certo, eu suspirei aliviado, acrescentaram algumas coisas em mim. Acrescentaram cebola demais e disseram que eu tinha esse gostinho forte e também acrescentaram pimentão, muito pimentão. Colocaram azeitona e encheram de molho Chipotle. Se eu pudesse fazer tudo aquilo que disseram, pensa só, eu reagiria feito o Cassidy diante do Jesse Custer: “imagine as possibilidades”. Você sorriu nesse momento, embora não tenha matado a referência. Esse foi outro nível de alívio alcançado. Continuei, falando que a questão é que eu fiz o que fiz e nunca negaria, mas eu sou um Subway montado com um sabor devidamente montado. Montaram-me tanto que eu não posso desfazer a montagem, pois a versão final ficou famosa e o gosto, agradável na boca dos outros. Acho que por isso eu virei promoção e tantos vêm aqui me devorar, colocando-me em suas bocas com um prazer vil e vingativo. E essa, te expliquei enquanto dedilhava o sanduiche na minha mão, porém com olhar sério, é a versão que todos por aí têm espalhado até hoje.
Então eu paro de falar. Dou uma mordida no sanduíche e você julga minha atitude por provocação, mal sabendo que eu realmente só estou com fome e com um coração aos martelos, porque sei que você se levantará e partirá daquela lanchonete e da minha vida, saboreando o estranho e vilanesco sabor do meu Subway em sua boca como todos nesta cidade aparentemente adoram fazer. Mas você fica por um instante, digerindo minhas palavras. Tu achas isso uma grande piada, né?, você pergunta e eu respondo claro que não, isso tem fodido a minha vida. A diferença é que essa explicação do Subway eu havia originalmente criado como piada, mas utilizava agora como explicação didática. Eu espero que entenda, coisa linda, aí pego suas mãos e dou um beijo nesses dedos longos que um dia ameaçaram me enrabar, antes fossem literalmente eles do que metaforicamente esta cidade.
Ela sorriu e ficou em silêncio pelo resto da noite, mesmo depois que saímos da Subway.
Três dias após aquela noite, depois de um interminável silêncio e indiferença que eu já havia tomado por término e adeus, você me enviou uma mensagem, dizendo que só teve uma coisa que eu não entendi. Perguntei o quê? E você por que um Subway de 15cm e não um de 30cm? Eu comecei a rir e você se emputeceu. Aparentemente, a pergunta era séria.
No dia seguinte, estava você em meus braços.
O que você precisa saber, comecei a explicar, é que o steak churrasco, pelo menos ontologicamente, é verdadeiro. Já os motivos e os detalhes que fazem toda a diferença no sabor final, não. Ao contrário do que dizem por aí, eu brinquei, olhando para o teto com olhar profunda e dramaticamente reflexivo, eu não sou tão gigantesco ou monstruoso como um Subway de 30cm. Eu sou um pequeno, singelo, simples e fofo Subway de 15cm. Mas saiba que se colocarem Chipotle demais, cebola demais, pimentão demais e uma só azeitona, o bagulho fica sinistro.
E pisquei.
15cm? Cadê a sua honra masculina? você perguntou e eu dei de ombros, mostrando os dentes como se fossem dentinhos bonitos iguais aos seus. Eu te conheço um pouquinho o suficiente pra saber disso, amorzinho, você falou devagar ao me analisar com aqueles olhos de piscinas oceânicas profundamente negras. Muito bem, respondi aliviado. Então vamo encher o bucho, completei, pegando o celular e feliz por descobrir que, dependendo do bairro onde hoje você mora nesta cidade mangueirense, o delivery da Subway agora é aceito.
Steak churrasco?, perguntei meio provocativo.
Você fecha a cara. Eu tenho medo de Leões brabos.
Com azeitona?, insisto.
Você continua com essa cara fechada.
E me responde que eu odeio azeitonas, esqueceu?
Eu também odeio e isso é péssimo sinal, né?, persisto.
Você sorri e mata a referência.
Merda, eu digo.
Por um segundo dá de ombros com deboche dizendo que ou talvez eu esteja mentindo.
Eu digo tomara e mando um beijinho em sua direção.  
Você me mostra o dedo do meio que é maior que o indicador e agradeço por sua vontade de enfiar essa coisa no meu rabo ter passado.
Eu quero frango com requeijão, você diz, mexendo no cabelinho
e completa: 30cm, por favor.


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