27 de maio de 2017

Assim disse o cowboy



Tem sido mais recorrente: a priori angustiador, mas paradoxalmente apaziguador ao fim da madrugada.
O sol raia lá fora e finalmente meus olhos pesam, eu durmo porque não resta mais nada a ser feito – as páginas estão preenchidas: duas, três, quatro, cinco e um conto à parte. Contos inúteis que, percebo, um dia em uma tarde ensolarada quando todos os futuros anos tiveram corrido, talvez eu até jogue pela janela. Vai saber? A madrugada passou como tantas outras e como cada uma tem sido. A princípio a angústia, você se sente como Caetano com aquelas perninhas cruzadas e o violão no colo; você se torna Peninha no instante de composição de Sozinho. Então tudo vem à tona. “Essa música me lembra alguém”, você nota; sorrisinho de delicados lábios e cabelos castanhos. Ela deixou uma boa lembrança.
Porém estas palavras não são sobre mulher alguma; estas palavras não são sobre partidas, dores ou amores.
Estas palavras são sobre resignação.
E planos.
Então abro o que quer que esteja ao meu alcance: cerveja, vinho, catuaba ou whisky. Acendo um cigarro. Já é Maio e tem chovido temporais nesta cidade e as noites estão frias, agora gélidas como cantou Djavan. Abro um livro. Leio duas páginas, canso-me e volto a escrever coisas que já questiono o caráter, acho que estou verdadeiramente perdendo o swing ou talvez o talento, muito provavelmente o propósito. O que brota nestas páginas que redijo não é nada pessoal, não é nada vingativo, não é nada apelativo, dramático ou irônico – nem mesmo as palavras de escárnio têm sido frequentes, pois já não há muito o que maldizer, já não possui tanta graça, pois no fim da jornada estarei sempre perdendo a batalha. Sarcasmo já não é uma arma eficaz, embora eu e alguns bons companheiros de batalha continuemos nos divertindo das piadas. Nossos inimigos estão lá fora, gargalhando e vencendo a guerra (“a história é contada pelos vitoriosos”, alguém disse), portanto não há muito o que se ironizar ultimamente.
Cada madrugada diante deste teclado e da recente typewriter adquirida com orgulho em três parcelas na camaradagem já pouco possuem algum valor. Eu vejo inúmeras pessoas lendo o que é escrito, mas não é como se houvesse qualquer fervor por trás disso, não é como se houvesse qualquer resposta ou feedback, como tão moderno e descolado soa na boca dos jovens, velhos e todos desta geração.
Os bons termos e tempos estão ficando para trás.
Analogismo é lembrança.
Ser analógico virou piada.
E este dom é inútil. Antigos nomes sutilmente me disseram isso. Antigos nomes estavam corretos. Antigos nomes tornaram-se vitoriosos. Já eu permaneço aqui, iniciando noites com álcool e Caetano alguns arranjos, alguns parágrafos, alguns tragos, lágrimas vez ou outra, mas sempre, sempre, derradeiramente, terminando com um sorriso na eterna montanha russa escatológica de sentimentos. Tem noites que é preciso colocar alguns sentimentos mal digeridos para fora, você o faz, faz com sinceridade e sente-se aliviado. É a parte “paradoxalmente apaziguadora” à qual me referi na primeira linha. Todo sentimento tísico vomitado é seguido, necessariamente, de uma sensação relaxante de futuro bom e incerto. Nesse panorama estranho, a escrita tem ficado para trás, frequente, sim, mas totalitariamente solitária, sem recompensas felizes, físicas ou financeiras. Foi em uma noite assim que brotou o plano, o tão famigerado plano que um dia foi proferido com lástima e dor, mas hoje surge de forma resignada, conformada e necessária. As escolhas que estão por vir fazem-se necessárias e as decisões, derradeiras. Ciclos precisam ser fechados e alcunhas apagadas, definitivamente. Acho que antigos nomes estavam corretos: isso não é um dom, é inutilidade. Futilidade. A pior parte nisso tudo é que o pensamento não me assombra, nem tampouco me aflige, não como antes; pois é preciso dar o braço a torcer, respirar fundo e aceitar certas coisas como são.
Estas palavras são sobre resignação”, sonhadores fracassados devem ter escrito por aí em algum lugar no tempo e nas ruínas.
Whatever happens, happens,
disse o cowboy.




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