Tem sido mais recorrente: a
priori angustiador, mas paradoxalmente apaziguador ao fim da madrugada.
O sol raia lá fora e
finalmente meus olhos pesam, eu durmo porque não resta mais nada a ser feito –
as páginas estão preenchidas: duas, três, quatro, cinco e um conto à parte. Contos
inúteis que, percebo, um dia em uma tarde ensolarada quando todos os futuros
anos tiveram corrido, talvez eu até jogue pela janela. Vai saber? A madrugada passou como tantas outras e como cada uma tem
sido. A princípio a angústia, você se sente como Caetano com aquelas perninhas
cruzadas e o violão no colo; você se torna Peninha no instante de composição de
Sozinho. Então tudo vem à tona. “Essa
música me lembra alguém”, você nota; sorrisinho de delicados lábios e
cabelos castanhos. Ela deixou uma boa lembrança.
Porém estas palavras não são
sobre mulher alguma; estas palavras não são sobre partidas, dores ou amores.
Estas palavras são sobre
resignação.
E planos.
Então abro o que quer que
esteja ao meu alcance: cerveja, vinho, catuaba ou whisky. Acendo um cigarro. Já
é Maio e tem chovido temporais nesta cidade e as noites estão frias, agora
gélidas como cantou Djavan. Abro um livro. Leio duas páginas, canso-me e volto
a escrever coisas que já questiono o caráter, acho que estou verdadeiramente
perdendo o swing ou talvez o talento, muito provavelmente o propósito. O que
brota nestas páginas que redijo não é nada pessoal, não é nada vingativo, não é
nada apelativo, dramático ou irônico – nem mesmo as palavras de escárnio têm
sido frequentes, pois já não há muito o que maldizer, já não possui tanta
graça, pois no fim da jornada estarei sempre perdendo a batalha. Sarcasmo já
não é uma arma eficaz, embora eu e alguns bons companheiros de batalha
continuemos nos divertindo das piadas. Nossos inimigos estão lá fora, gargalhando
e vencendo a guerra (“a história é contada pelos vitoriosos”, alguém disse),
portanto não há muito o que se ironizar ultimamente.
Cada madrugada diante deste
teclado e da recente typewriter adquirida com orgulho em três parcelas na
camaradagem já pouco possuem algum valor. Eu vejo inúmeras pessoas lendo o que
é escrito, mas não é como se houvesse qualquer fervor por trás disso, não é
como se houvesse qualquer resposta ou feedback,
como tão moderno e descolado soa na boca dos jovens, velhos e todos desta
geração.
Os bons termos e tempos estão ficando para trás.
Analogismo é lembrança.
Ser analógico virou piada.
E este dom é inútil. Antigos nomes
sutilmente me disseram isso. Antigos nomes estavam corretos. Antigos nomes
tornaram-se vitoriosos. Já eu permaneço aqui, iniciando noites com álcool e
Caetano alguns arranjos, alguns parágrafos, alguns tragos, lágrimas vez ou
outra, mas sempre, sempre, derradeiramente, terminando com um sorriso na eterna
montanha russa escatológica de sentimentos. Tem noites que é preciso colocar
alguns sentimentos mal digeridos para fora, você o faz, faz com sinceridade e
sente-se aliviado. É a parte “paradoxalmente apaziguadora” à qual me referi na
primeira linha. Todo sentimento tísico vomitado é seguido, necessariamente, de
uma sensação relaxante de futuro bom e incerto. Nesse panorama estranho, a escrita
tem ficado para trás, frequente, sim, mas totalitariamente solitária, sem
recompensas felizes, físicas ou financeiras. Foi em uma noite assim que brotou
o plano, o tão famigerado plano que um dia foi proferido com lástima e dor, mas
hoje surge de forma resignada, conformada e necessária. As escolhas que estão
por vir fazem-se necessárias e as decisões, derradeiras. Ciclos precisam ser
fechados e alcunhas apagadas, definitivamente. Acho que antigos nomes estavam
corretos: isso não é um dom, é inutilidade. Futilidade. A pior parte nisso tudo
é que o pensamento não me assombra, nem tampouco me aflige, não como antes;
pois é preciso dar o braço a torcer, respirar fundo e aceitar certas coisas
como são.
“Estas palavras são sobre resignação”, sonhadores fracassados devem
ter escrito por aí em algum lugar no tempo e nas ruínas.
Whatever happens, happens,
disse
o cowboy.
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