7 de setembro de 2016

Máfia Branca ataca de novo



Subi a Mundurucus.
Perdi a conta de quantas vezes eu havia subido a Mundurucus alguns anos antes, quando esvoaçantes cabelos castanhos por ali me chamavam. Agora não havia cabelos castanhos, nem negros, nem loiros, ruivos ou azulados – estas palavras sequer são a respeito deles. Não havia cabelos, na verdade. Havia meus passos, havia minha respiração quase ofegante e a total consciência dos meus atos ao não trazer qualquer companhia comigo, porque a presença de qualquer outra pessoa traria consigo a responsável necessidade de não ter um progressivo ataque de pânico ou de ansiedade. Aliás, onde estão os meus óculos? Tudo andava meio embaçado – literalmente, sem quaisquer significados conotativos. A Máfia Branca atacava de novo: as palavras “rins”, “alteração” e “três meses” erguiam pernas e braços diante de mim como dançarinas – dançarinas do Diabo, se bem entenderes a referência. A maldita Máfia Branca atacava de novo, trazendo-me notícias das quais eu não andava muito disposto a ter conhecimento. Aí eu paro na esquina da Mundurucus e Serzedelo, o semáforo está vermelho. Respiro fundo. O que eu faço agora? Corro para anunciar a notícia, abraço feito um maricas o travesseiro antes de dormir ou sento e simplesmente começo a gargalhar? Gargalhar. É o que quase estou fazendo – e tenho feito muito ultimamente: rindo descontroladamente diante de todos, no meio da rua, dentro do ônibus, sentado em uma praça pública ou bebendo aquela cerveja quente e odiosa no fim da noite enquanto todos vão embora da festa. Eu estou rindo. Rindo gloriosamente desesperado. Rindo. Rind. Rin. Rins, alteração e 3 meses não soam muito bem em uma mesma frase. Não soam muito bem em uma mesma frase vinda em sua direção, lançada como uma bomba de merda no ventilador.
Continuo a subir a Mundurucus e sinto saudades de sete anos atrás, quando eu fazia o percurso com outro propósito e com a certeza de uma vida inteira pela frente. Mas agora lembranças estavam enterradas, casas estavam desocupadas, quartos eram habitados por estranhos, jardins não testemunhavam virgindades perdidas e nem o fast food da esquina possuía o mesmo significado, porque tudo isso está morto tanto quanto eu... Ei. Ironia fresquinha. Pela primeira vez percebo que há um hospital na Mundurucus. Na verdade, um Centro. Monteiro Leite. Hemodiálise. Rins. Alteração e 3 meses. É dali para baixo: o que começava com algumas pílulas agora levava para o fundo do poço que sempre o estivera chamando, embora você nunca tenha se permitido pular. Agora que pula, tudo vem à tona – as voltas do Universo, o Karma por talvez ser comunista na vida passada ou simplesmente a efetivação da lei de Causa e Efeito.
Uma bomba no ventilador.
Paro diante do Centro e começo a rir. Puta merda, isso é sério? Você realmente sempre esteve aí ou não passa de um infeliz, sádico e genial deboche? Talvez seja essa a feliz vontade do destino, uma vez mais sendo o bom e velho destino.
Continuo a subir a Mundurucus com um sorriso nos lábios – eles estão secos, meu peito ofegante e antes fosse pelo cansaço físico.
Estou rindo e odiando a Máfia Branca – Máfia que me persegue desde a infância, Máfia que eu deveria manter por perto, ao invés de fugir por tantos anos. A Máfia Branca diz que está aqui para ajudá-lo a melhorar, diz que se importa e que pretende salvá-lo de si mesmo. É aqui que discordo: arauto da tragédia, fajuto Tirésias. Você está aqui para anunciar as notícias ruins, você está aqui para anunciar notícias ruins que nunca irônica ou verdadeiramente se efetivam antes de seus discursos polidos, exames precisos, diagnósticos dramáticos ou soluções (nada) empolgantes serem instituídos.
Maldita Máfia Branca, antes de pisar ali, eu juro que tudo andava bem, tudo andava nos conformes.
Eu preferia o estado anterior, eu desejava não saber até o preciso momento crítico e derradeiro – esse, aliás, sempre fora o plano.
Afinal, é como dizem: ignorância pode ser privilégio.