Eu deveria me desculpar pelo meu
jeito, pelos meus gostos e até pela minha aparência. Eu deveria me desculpar
pelos livros que leio, pelas histórias que escrevo, pelos homens que admiro –
sempre aqueles estranhos, vis humanos de mentes insanas, porém sensatos diante
do tato. Eu deveria me desculpar pelas festas não frequentadas, e até pelas
cervejas e refrigerantes negados porque “faz mal à saúde” – e quem dera todos soubessem que realmente
faz; é isso durante algum tempo ou uma cama de hospital amanhã. Eu deveria
me desculpar pelos centímetros não crescidos, deveria até me desculpar por
ficar irritado com as piadinhas feitas. Ah, eu deveria me desculpar pelo meu
modo de responder ao mundo, com as ironias e todos os vãos argumentos meramente
verbais, sem palavrões, sem xingamentos, sem apelações para violência física e
banal – que é o que todos os caras
normais fazem; que é o que se geralmente faz e não se pede desculpas. Eu
deveria pedir desculpas pelas aspas não colocadas nas frases para indicar
ironia, porque eu sou o culpado por não entenderem ironias. Eu deveria me
desculpar pelas piadinhas geniais que ninguém entende, e deveria também me
desculpar por ter um bom senso de humor que as pessoas julgam por “galassequice”. Eu deveria me desculpar
em 90% do tempo por não ser o que os bons jovens de redes sociais fingem que
são. Ah, eu deveria me desculpar pelas opiniões ferrenhas que bravejam ao me
verem tomar um copo de Coca-Cola Zero (“isso
faz mal”) e nem ao menos pensar na possibilidade de rebater com um “põe uma camisinha nesse pau, pare de cheirar
cocaína e conclua o ensino médio”, ah, sim, eu deveria me desculpar por
pensar em responder isso. Eu deveria me desculpar por não cursar a tão sonhada
carreira de Direito, e deveria também me desculpar ao dizer “na verdade, nem quero ser professor”. Eu
deveria me desculpar por ter abandonado o Oceano
por um sonho mesquinho e utópico em meios às prosas fictícias. Eu deveria até
mesmo me desculpar pelos olhos inchados, a aparência eterna de sono e pelo
caminhar lento que não optei possuir antes de nascer (porque, acreditem, se houvesse uma escolha, lá de onde todos nós
viemos, eu escolheria exatamente o contrário para satisfazê-los). Eu
deveria me desculpar por ser pequeno e franzino. Eu deveria me desculpar por
tanta coisa que nem lembro mais o porquê do ato, só sei que deveria me
desculpar, porque é o que parece certo para acalmar a fúria preconceituosa
daqueles que controlam as cordas presas em meus braços e pernas.
Eu deveria me desculpar por tanta
coisa, mas não o faço, e até peço
desculpas por não pedir desculpas.
No fim, deve ser a minha desculpa
mais sincera.