24 de agosto de 2014

Olhos verdes



São esses imensos olhos verdes e sulistas que me matam, moça.
Aliás, o que mais me afeta de um jeito particularmente aconchegante é essa tristeza estampada neles; essa tristeza que por mais triste que se julgue, não percebe o quão linda é. Não falo a respeito do teor de personalidade que possuem os falsos alegres, falo de uma tristeza verdadeiramente existente, tão íntegra e humilde em seus contornos de um modo que nenhum daqueles falsos e medíocres alegres vêm tentando ou conseguem em integridade ser. É isso o que mata, sabia? A característica mais nobre de uma pessoa cravada em um par de olhos que, puta merda, é uma extrema sacanagem comigo. 
Olhos verdes, sulistas, grandes e íntegros, tão imensos que parecem a todo momento assustados com o próprio turbilhão e que porém não passam de obras simples e transparentes. Eu até poderia aqui poetizar as qualidades inegáveis de olhos misteriosos, concedendo a eles uma filosofia clichê ao estilo “profundos como oceano”, mas seria forçado, seria antinatural, seria mais uma crônica afogada na própria ânsia do sucesso pela fórmula ao invés do foco na substância; teria o pleno e superficial intencionismo de formar linhas perfeitas, encantadoras e meramente compartilháveis. Não é isso o que quero, não é isso o que farei, não deturparei a intensidade dessas linhas, você não merece essa dissimulação em forma de escrita milimetricamente medida e o caralho a quatro, como os falsos poetas e vis admiradores a sua vida inteira fizeram.
Você merece sinceridade, moça.
E sobre sinceridade e imensas esferas esverdeadas, tudo me faz lembrar uma das poucas prosas que compartilhamos, em que você foi triste no dia, profundamente melancólica em suas experiências azarentas ou até mesmo dramáticas. Tão triste quanto eu ou o nosso tipo particular de gente esquecida, vagabunda, melancólica, imundamente poética. Relembro que, nesse dia, soltei alguns conselhos profundos e e bem intencionados, pois quis eu fazer a mínima diferença para a tua tristeza, quis eu que teus olhos verdes me notassem. 
Olha, você merece o esforço, 
porque é uma moça esporadicamente cabisbaixa e sulista, com olhos ironicamente alegres em seu ímpeto pessimista por ser você mesma - isso sempre valerá ao fim de tudo.
Ora, eu amo pessoas tristes.
E amo ainda mais olhos verdes.   




21 de agosto de 2014

Senso de obrigação



Então é isto: aquele cara vagabundo jogado pelos cantos da vida, sustentado por ajudantes bem intencionados e bem visto por pessoas que insistem em garantir a ele a melhor reputação entre os homens e descendentes sanguíneos. Já ouviram falar daquele suposto talento desperdiçado, que teve tudo, mas não aproveitou nada? Pois é. Com a pequena ressalva de que “aproveitar” talvez não seja a palavra mais adequada, quando temos aqui mais uma questão de vocação do que determinação e desperdício. É. Nas coisas mais importantes, para esse cara, não há um senso urgente de obrigação, sobretudo nas coisas que dizem respeito ao meio acadêmico. Em sua cabeça deturpada, toda essa corja não passa de sujeitos arrogantes de queixo empinado que se julgam superiores por possuírem um diploma que, cá entre nós, nem sequer caráter garante necessariamente. Mas não generalizemos, que fique claro. Nesse meio de ovelhas peludas, acomodadas e cultas, para ele é um extremo esforço de paciência galgar semestres e anos, quando no fundo só enxerga a tudo como uma sutil diversão, feita apenas por distração e “vamos lá, talvez seja legal, faço por status e porque o script manda”. Não há nenhum senso íntegro e fidedigno de obrigação aqui, apenas um estorvo transbordando de balelas e idealizações alheias que só pretendem a tudo opinar, opinar e pouco agir ou se autocriticar.
Para esse suposto “talento desperdiçado”, o verdadeiro senso de obrigação não reside num trabalho para a próxima semana, uma apresentação de seminário ou presença na listinha do grande e brilhante docente. Para esse lixo menosprezível ambulante, o verdadeiro senso de obrigação é sentar para digitar coisas irrelevantes e mesquinhas como esta; alguns parágrafos por dia; algumas pequenas grandes e imperceptíveis histórias que ninguém percebe, porque a vida é mais altiva que isso e para os outros continua a girar com distrações e obrigações mais importantes. No fim do dia ou no fim da semana, no fim do mês ou no fim do ano, quando esse suposto “talento desperdiçado” não cumpre com sua particular carga horária ou plano de escrita, o incômodo bate forte como uma punheta bem dedicada, tão forte e sádica, dolorosa, repleta com o mais puro e sujo sentimento de culpa. O que realmente incomoda é esse desperdício permeado pela procrastinação da não-escrita - porque isso sim é o que vale para ele.
Sua verdadeira vocação são as linhas diárias, seja de uma crônica suja e utópica, seja de uma grande ficção fantasiosa de terror e suspense. Reprovar semestres e acumular faltas para ele é meramente um peso irrelevante, pois o que pesa é o desperdício de sua vida a cada momento em que não finaliza suas vãs criações.
Esse é seu verdadeiro senso de obrigação. Ele nasceu para essa merda.


16 de agosto de 2014

Eu gosto desses sonhos



Eu gosto desses sonhos estranhos e improváveis, desses extremamente românticos em que a amada está presente, porém distante, sempre sumindo numa nuvem que se dissipa mediante um toque. Eu gosto desses sonhos em que a menina que eu admiro, aquela bonitinha que faz um curso promissor a três blocos do meu, se entrega ao meus braços numa cena pitoresca de improbabilidade infundada, me beijando como se não houvesse amanhã ou aceitando meus carinhos que pessoalmente eu sou incapaz de dar a qualquer uma. Eu gosto desses sonhos malucos, com garotas lindas ou com a garota amada, em que pela primeira vez na vida há um sentimento concreto de realização, por mais utópico que pareça ser. Eu gosto desses sonhos estranhos e impossíveis por uma razão profundamente sádica, dolorosa e masoquista – é que quando eu acordo com os olhos inchados sob um rosto que transmite a verdadeira essência e aparência de um demônio estuprado e decadente tamanho é sua beleza, posso lembrar que aquilo realmente não passou de mais um sonho maluco com realidades que nunca acontecerão e que nunca, jamais, sob hipótese realista alguma, se concretizará numa meta alcançada ou numa força de perseverança digna daqueles idiotas que levam a vida sob uma ótica cem porcento zen e otimista. Eu gosto desses sonhos porque quando acordo, sou tragado à minha realidade novamente, daí lembro que essas bostas não podem acontecer. Eu sinceramente gosto desses sonhos, porque me reduzem a uma honesta, rasteira e completa humildade. Gosto desses sonhos porque, quando eles se realizam (e que, acreditem, vez ou outra assustadoramente acontece), a porcaria da surpresa e da expectativa superada é sempre recompensadora.
Às vezes até os perdedores precisam ganhar.