30 de outubro de 2013

Ídolos



 ­ ­ ­ ­ ­ ­ Meus ídolos são quebrados: um velho sádico com monstros na cabeça; um homem morto, esguio, com distorções sobre a realidade e com monstros inomináveis também na cabeça; outro velho igualmente morto, com visões ímpares sobre as joias do mundo serem as putas e vadias, bêbados e vagabundos, venerando sexo, drogas e loucuras. Posso colocar entre eles, também, uma ou duas bichas que lideram ou lideravam uma banda de qualquer designação do rock ‘n’ roll. Quem mais coloco? Não me vem à mente. Todos ligados à arte, a maioria deles escritores e nenhum necessária ou profundamente religioso. Talvez acreditem em Deus, assim como eu, claro, mas não em sua forma convencional como aquele livro que todos veneram insiste em transmitir. Afinal, é só um livro, tem seu valor histórico, psicológico e espiritual, mas é só um livro escrito por homens antigos levados por um frenesi esquizofrênico que julgaram ser epifanias divinas. Meu ídolo não é um livro, meu ídolo não é um Deus. Meus ídolos falam sempre de pecados, morte, sangue, suicídio, terror, medo, vitória, perseverança, ideologia, sonhos e esperança. Ainda assim são considerados quebrados pela maioria puritana. Não sou um reflexo deles. Diria o contrário, aliás, eles são um reflexo de mim, não me tornei o que sou por causa deles, não, não. Na realidade, só os procurei porque sou assim, procurei-os porque em algum momento pensaram analogamente, eles foram o que sou há muito tempo, aceitaram a si mesmos e foram felizes em suas desgraças, dores e tragédias. Não sou produto deles, mais precisamente falando, eu diria que cada um deles é minha consequência, não minha causa. Tão quebrados quanto eu - por isso os venero tanto.

29 de outubro de 2013

Eu não vou sorrir




 ­ ­ ­ ­ ­ ­ Eu não vou sorrir, porque simplesmente não sou o bastardo mentiroso que tanta gente insiste em ser. Não, esqueça, eu não vou sorrir. Sorrisos me agradam... Quando vêm dos outros, claro. Um sorriso meu, por outro lado, pode ser breve, mas jamais refletirá um estado longínquo de alma. Não sou falso o suficiente para mentir sobre minha realidade plena. E estou bem assim – sem cortes nos pulsos, balas no tambor, cordas no teto ou pílulas sobre a mesa. Bem melhor que muitos sorrisos mentirosos por aí, que só fazem esconder a realidade por trás de si mesmos. Uma coisa é ser verdadeiramente sorridente, outra totalmente diferente é querer pagar a imagem de “feliz” para cumprir com a ditadura da felicidade que nos massacra. Ditadura, sim, “sorria, seja feliz, caso contrário te rebaixaremos, você será a pior espécie, renegado pelos olhos alheios e criticado por falsos moralistas e mentirosos que fingem felicidade suprema”. Fodam-se todos. Minha falta de sorrisos é bem mais sincera que a negra máscara que vos vestem. A vida é uma merda e nunca mudará, ao menos eu sei disso, ao menos nego a risada ante a realidade, ao menos não finjo esperanças diante de um quadro frio e escuro. Eu não vou sorrir, estou bem assim, estou bem perante minha eterna depressão. Me faz bem do meu jeito, me deixa em paz e suave. Me deixa livre das mentiras e boas – fúteis – aparências. 

28 de outubro de 2013

Ela




 ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ Ela encanta, ela seduz, ela atrai com o gingado do corpo e o rebolar da mente. Ela trás calma, desejo, ciúmes e angústia, angústia por querer tê-la, por querer prendê-la nos braços, envolvê-la em uma bolha de King e mantê-la ali, para mim. Ela tem disso: desperta o egoísmo, o desespero mais primitivo do homem, a ganância e o abismo da soberba e não querer dividi-la com nenhum abutre que ronda aqui e ali, espreitando sua genialidade e doçura com o único motivo de copular e fugir. Abutres: copular e fugir, fugir e copular, copular e fugir. Talvez eu o seja também: um tipo de abutre mais profundo, sujo e algoz, justamente por desejá-la tanto enquanto abro um sorriso e apenas balanço a cabeça, concordando com algo como se realmente estivesse prestando atenção. Ela é dessas, me desperta amor, bondade, desejo e fétidas astúcias. Ela não tem fotos de biquíni, ela não posa com o corpo dobrado em frente ao espelho, não intitula frases filosóficas em fotografias na praia mostrando a barriga ou decote, ela “cultua com os livros e ama os animais”, ela não precisa provar nada ao mundo, ela não possui corpo escultural, possui seios pequenos e pernas finas, ancas magras e pontudas. Tem algo naquela cabeça e uma coisa extremamente acolhedora nos olhos; talvez seja o modo de falar, tão calmo e meigo, extremamente carente e doce, como se o mundo nem sequer estivesse ruindo lá fora com suas morais distorcidas. Ela é ela. Considera-se feia, sem graça e pouco atraente - sorte a minha, desse modo os abutres são menos. Meu memorando um dia se tornará um livro, um romance que emplacará livrarias ao redor do globo, tão conquistador quanto o chão percorrido pelas páginas de Paulo Coelho. Quem sabe? Um romance com o nome dela, para e por Ela. Ela que está em tantos lugares, aqui e ali, lá e cá, com tantos nomes, tantas cores, olhos distintos, cabelos lisos, encaracolados, pretos e loiros, castanhos, vermelhos... Ela que vive me destruindo em fogo e acolhendo em rios.
 ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ Ela, ela e ela. Sempre ela. 



25 de outubro de 2013

Axé




­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ Ele pisou naquele chão sagrado, abençoado por todas as entidades de seus antepassados. Por ali passaram muitos pedidos, sofrimentos, agradecimentos e curiosidade, assim como a que ele sentia. Observou atento a tudo que acontecia, as músicas cantadas exaltando os Orixás nas suas línguas nativas, os movimentos feitos pelos filhos representando fielmente cada dança. O cavalo de Ogum, a procura da caça de Oxóssi, os movimentos de Xangô com seus machados. Admirou todos, mas ficou encantado com a leveza dos filhos de Ogum, a simultaneidade deles seguindo o Pai, que também incorporara. A sutileza de mãe Iemanjá no corpo de uma menina no alto dos seus 9 ou 10 anos. Mas nada se comparava a seu Orixá de cabeça, pai Xangô. Quando iniciou-se o canto, ritmado pelo som dos atabaques, sentiu uma energia que há muito não sentia, fechou os olhos e sentiu emanar por todo seu corpo. A vivacidade do movimento que faziam lhe dava energia e lhe abria um sorriso que não podia conter. Sentiu-e abraçado, acolhido por todo poder do rei de Òyó. Ao fim todos os Orixás que deram a honra de sua presença, entram comandados pelo Babalorixá, filho de Oxóssi, que faz sua dança final e passa a receber os que puderam presenciar toda sua altivez. Então, eis que entra na fila, meio a contragosto, mas querendo participar de toda aquela festa. A energia que o cerca ferve e o esquenta de tal forma que ele passa a suar. É tão grande que mal consegue manter-se de olhos abertos e bambeia de um lado ao outro, lutando para receber o comprimento do Orixá. Chega sua vez. Ele fecha o olho para bater cabeça e mostrar respeito àquela entidade. Quando abre, sem entender, já está recebendo o abraço de Oxóssi. Não se lembra do meio tempo. Branco, vazio. Depois disso, foi outro homem, pessoa. Na verdade, se sentiu um menino perante tudo aquilo. E só o que resta é a lembrança da energia que o cercou e ainda o cerca e toda a força que ele absorveu de cada Orixá que desceu para abençoar aquele momento tão especial.
­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ - Motumbá, e muito obrigado pela folha.
­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ - Motumbá Axé, filho. Que Xangô continue lhe protegendo!

13 de outubro de 2013

Vomitei



Garota, eu juro, eu queria vomitar, pois aquela era a coisa mais gay que eu via desde os nossos tempos. Ao menos eu fizera coisas de macho, ao menos eu era verdadeiro, ao menos eu não tentava pagar uma imagem de “garoto ideal” na frente das suas amigas e inimigas. Eu era eu, porra, por mais que nossas frescuras fossem grandes. Mas ele me superou. Palmas. E a vontade que tenho é de cagar minhas merdas pela boca. Não coprofilia ou qualquer dessas porcarias cools do novo século, mas uma metáfora simples e lógica para mostrar meu desespero por tamanha viadagem. Sério, eu confiaria nossos segredos mais ridículos a um desconhecido, mas jamais dignificaria seu gato como confiável. Que merda é essa? Soa ridículo, forçado, antinatural e igualmente hilário, diga-se de passagem, porque a minha segunda reação, após a repulsa, foram as gargalhadas. Talvez porque eu estivesse chapado e bêbado, ou nem tanto, já que comprovei a autenticidade da piada quando me percebi rindo da mesma maneira, sóbrio, um dia depois. Faça-me o favor. Agora vejo que prefiro alguns colhões do que toda essa frescura, porque ele até me superou! Ele me superou! Dá pra acreditar?! Não. Eu nem queria, mas é a verdade dos fatos. Só me resta vomitar essa bosta e, claro, oferecer meu pesar. Você já teve coisa melhor. 

9 de outubro de 2013

Respiração



Eu quis senti-la, para aplacar uma ilusória fantasia de que é outra pessoa em minha frente. Daí a ilusão, daí a fantasia. Não é ela, Felipe, nem por dentro, nem por fora, mas parece tanto... Maldita praga. É desprendimento que procuro e o mundo não permite. Aqui sento eu, na vão tentativa de sentir seu perfume. Que idiota. Ela está á frente, a um palmo de distância e nada digo, pois o que almejo é apenas um cheiro, o pairar do aroma em sua pele, dos cabelos negros escorrendo, lisos, pelas costas, fazendo de conta em sua aparência análoga que é outra pessoa, aquela que não me larga – aquela que não posso deixar. Mas eu disse: a tentativa é vã e não consigo seu perfume sentir. Maldição? Azar? Nunca. A apreciação, porém, não tem fim, já que ela ainda está aqui, a um palmo de mim, a um palmo de dizer “oi”, tão perto, tão almejável, tão provável e fácil. Fico aqui, permaneço. Em sua quietude distraída durante a aula – conversando volta e meia com um breve comentário, uma risada singela com o tom de voz agudo, um passeio dos dedos sobre a tela do celular ou um movimento de mão entre os cabelos – seu tórax sobe e desce, tão calmo quanto o arfar de uma lustrosa e imponente Nyctea scandiaca. Sua respiração me aplaca então, afagando a frustração primária do perfume, mergulhando-me na brutal e sádica contemplação silenciosa, carente de oratória e coragem. Mulher análoga, garota parecida, queria eu ser capaz de sentir teu respirar escapando pelas narinas, quente, intenso, tranquilo, aquecendo em mim qualquer parte (uma fibra de pele já me basta), fingindo que sou teu, fingindo que és minha... Fingindo que és ela, em meio ao padrão dos olhos, a cor da pele ou a textura dos negros cabelos. Maldita fixação de lembrete, maldita lembrança, maldita comparação e covardia!
Queria eu sentir teu cheiro.
Queria eu sentir, pelo menos, tua respiração.


8 de outubro de 2013

O ódio é grande



E sem querer, você se tornou exatamente como aquele a quem mais admira: Deus... Não, pera, não! Quis dizer outro personagem, me refiro ao decadente homem perdido e solitário que povoa na ficção as ruas de LA.  Você encontrou nele a explicação para suas próprias perguntas, encontrou nele algo digno do qual se identificar, viu em suas visões distorcidas um conforto para respirar e dizer: “Ei, este sou eu! Ei, finalmente alguém me entende”. E está aí. Você se encontrou, parabéns. Decerto não foi um encontro residido em uma imagem sólida de boa reputação e pensamentos éticos, não. É uma questão absorta do mundo normal, um perfil desgastado, consumido pelo pessimismo e ódio próprio. Transcrevendo as palavras daquela tão promissora, porém ex-namorada: “Bebe demais, escreve de menos e o único exercício que faz é no quarto... Você ama as mulheres, mas se odeia. Assim, qualquer uma que goste de você é vista como tola”. Xeque! Palmas, soem os tambores, fiquem de pé, pois os espetáculo foi concluído. Esse é quem você é. Desgastado. Destruído. Depressivo. Danoso. Mas há amor próprio nesse ódio próprio, porque odiar-se é a forma mais gentil e verdadeira de tratar a si mesmo. Você ama se odiar, e está satisfeito assim, é a sua vida, é seu modo de enxergar o mundo lá fora, tão corroído quanto seus olhos, pois o ódio é grande e acabe perfeitamente na cama e no colchão de amar. Você está satisfeito com isso.
Encontrou-se ligeira e profundamente em Hank Moody - como se soubesse disso desde os sua infância.


6 de outubro de 2013

Um belo filho da puta



Veja só. Eu estava ali, rindo um mar de lágrimas com a história que ele contava. Bradava risadas entre sua eterna sacanagem, gesticulava e berrava com aquele bico que originara seu apelido entre os amigos e a família. E eu me desatava a rir. Sua filha da putagem, latente e conhecida por mim desde criança, era narrada com extremo orgulho. Era mais uma de suas armações, mas, ao que parecia agora, apenas uma consequência de ser tão filho da puta e conquistador. E ele contava a história do lançamento no livro do qual fora convidado, lendo as aventuras descritas pela autora falando sobre um caso forte e carnal de “amor” intenso, ele riu e comprou o livro apenas para que ela autografasse. Aproximou-se da autora (sua conhecida) e olhou para o atual noivo dela. Começou a rir e fazer aquela expressão cínica – que, aliás, é sua expressão natural. E deu o recado no momento do autógrafo, especialmente para a autora e seu noivo escutarem. Então o recado foi dado. Ela riu, envergonhada. O noivo, que já sabia da história recorrente, apenas fechou a cara e ficou irritado como nenhum outro homem poderia ficar. E findada a história, ele continuava a rir aqui na cozinha de casa, eu mais ainda, e todos também. Implicitamente dedicado, a paixão arrebatadora daquele livro era ele. Ele se orgulhava por causa da sua “filha da putagem”, aliás, ele é um exímio artista nessa área. Eu ria, ria e me divertia. Não tinha como não fazê-lo. Filho da puta. Eu amo o meu tio.