26 de agosto de 2011

Memórias da Guerra

MEMÓRIAS DA GUERRA

Aos campos de derrota
Pelos corações arrependidos
Que através da velha glória
Aplacou os homens vivos.

Aos drinques de plasma
Para a escória da humanidade
Que em iníquos fantasmas
Arrasou a intocável castidade.

Aos fracos moribundos
Para a memória da poeira
Que do desgosto profundo
Fez a guerra derradeira.

Aos senhores da aniquilação
Para os pobres soldados
Que na Rosa da destruição
Intoxicou a honra dos bravos.

Aos sangrentos passados
Para a vergonha da nossa geração
Que em armas e afagos
Ascendem na escuridão.



(Felipe Santiago)

23 de agosto de 2011

Vida



Acordou, espreguiçou, cheirou os lençóis e se percebeu no sofá. Sorriu. Agarrou o caderno, destampou a caneta, pintou, desenhou. Escreveu. Folheou as obras, leu os poemas, revisou o texto, admirou os rabiscos, amaçou o rascunho. Pôs o cabelo para trás da orelha. Brincou com os discos, bagunçou a coleção, abandonou a ordem alfabética, asparramou no chão, colocou o vinil preferido. Pôs os fones, fechou os olhos e esperou. Ouviu. Cantou. Contraiu os dedos dos pés, acariciou a própria pele. Correu à cozinha, sentou na mesa, sentiu a fome rotineira, esquentou o café. Bebeu. Atravessou a casa, foi ao banheiro, tomou banho, deixou a água escorrer o corpo, pensou na vida, pensou na morte, pensou na alma, na eternidade. Voltou ao quarto, enrolada na toalha, optou pela melhor roupa. Abriu o guarda-roupas. Camiseta branca, jaqueta e saia jeans, bota alongada e escura. Saiu de casa. Ligou o carro, saiu rua abaixo, sob o Sol da manhã. Dirigiu pela costa por horas a fio. Tocou o vento, beijo a luz, bagunçou os cabelos, ziguezagueou no volante. Sorriu, cantou, fechou os olhos. Gritou. Parou na praia, tocou a areia, deitou no capô, contemplou o céu. Contou as nuvens, pintou os pássaros, contou o azul, pintou seus passos. Novamente dirigiu, passou pela costa, admirou as crianças, conversou com os gatos, acariciou os cachorros. Comeu, bebeu. Lembrou. Voltou pra casa, viu o Sol descer, esperou a tarde cair. Entrou em casa. Pisou no silêncio, afagou as lembranças. Correu ao banheiro, entrou na banheiro. Ligou a torneira. Deitou, fechou os olhos. Se molhou. Chorou. Bebeu o whisky, sofreu, relembrou outra vez, agarrou a carta, leu as palavras. Sofreu, lagrimou. Gritou. Fones de ouvido, carta rasgada, peito seco, dores inchadas. Observou a noite, mordeu a boca, desejou, acalmou-se, aquietou-se. Adormeceu, dormiu. Sonhou. Caminhou pela colheita, tocou as frutas, colheu esperanças. Camiseta branca, jaqueta e saia jeans, bota alongada e escura, cabelo preso. Esvoaçante. Olhou a manhã estrelada, olhou a noite ensolarada. Chutou a felicidade, agarrou as brincadeiras. Sentou-se ao campo, agarrou uma plantinha, beijou-a, amou-a. Deitou-se nas relvas, rolou, sorriu, cantou, relembrou, sorriu novamente, fechou os olhos. Brilhou.

13 de agosto de 2011

Colidir


É madrugada e eu penso: o que todos eles estarão sonhando? É madrugada e estou acordado sob o quente do lençol e o frio da brisa. Lá em cima o céu se estende para mim como um livro sagrado, limpo e brilhante. É madrugada, e o som está ecoando em meus ouvidos; aquele som que me toma um regresso no tempo, às épocas alegres e encatadoras. Embora boa e penetrante, o som é sujo – quase, eu disse quase massacrante. As estrelas estão lá em cima, e me pego a pensar quantos “iguais” a mim notariam o brilho desses pequenos focos de luz. Sei, e como sei o quão irrelevantes são eles para olhos alheios, mas ainda estou aqui, de madrugada, me pegando a pensar sob a noite e o belo estrelar: quantos deles se importam, e quantos dariam a ênfase que estou enviando ao som que me abate? Solto um pesado suspiro – alguém disse uma vez que a cada suspiro que solto, um pedaço da minha felicidade vai embora. Não há dor, não há tristeza, no entanto. Foi apenas um suspiro. É madrugada, e eu volto a fechar os olhos e ouvir o som que acolhe meus ouvidos. Estou tentando voltar ao sono – que subitamente foi interrompido sem razão alguma. Aperto os fones de ouvido. Solto outro suspiro, e tento dormir.

9 de agosto de 2011

The Sharpest Lives


Esse é o meu caminho: seguir por alguns livros, despencar por alguns parágrafos, paquerar alguns textos  e casar com algumas frases. Esperar o inesperado, alcançar o impossível e acordar no dia seguinte, me dando conta de que tudo foi um sonho. Ver as pessoas vivendo, tentar analisar e morrer em lágrimas ao não entender sequer a metade. Aguardar o momento certo para algo dar realmente certo, sentar ao Sol e migrar a mente. Sentir sono diante de um enorme som, e repudiar curtições e danças. Ser chato, irritável e insuportável. Reclamar de tudo e todos, e depois estar ao lado deles sorrindo novamente. Negar as desculpas, porque não há perdões para sua verdadeira essência. Ser sozinho, ser sonhador, querer tudo e sempre não ter nada. Fazer do dom profissão, viver de uma profissão sem futuros. Ser querido, longínquo e pouco odiado. Ser imperceptível, desprezível e descartável. Ser eu. Sonhar. Dispor de palavras na escrita e não saber o que dizer com a boca. Melancólico, triste e dramático. Procurar a mulher dos sonhos, mas topar com uma ainda melhor que ela. Topar com uma mulher de verdade, e não ilusória. Sentí-la no peito, e depois perdê-la. Indo embora. Recordar sua presença e me desfazer em lamentos. Dizer besteiras e mais besteiras, mentir a maior parte do tempo ao fingir ser alguém que não sou. Assumir uma casca machista e insensível. Ter medo de mostrar que existe aí um homem diferente, sensível e bobo. Provar que isso é possível e que nada significa desvios de opção sexual. Rir disso e desejar a morte de certas pessoas. Odiar um aqui, outra ali. Puramente ódio, puramente por odiar. Lamentar por ter esta vida, desejar viver novamente. Querer ser outro alguém, deter outros gostos e costumes. Ser literalmente diferente, por dentro e por fora. Ter uma casca mais bonita e uma personalidade menos imbecil. Ter beleza e menos conteúdo. Ser mais macho. Mais comelão. Desejar mais bocetas do que corações. Desejar mais rabos do que amores. Comer as meninas ao invés de admirá-las pela personalidade e inteligência. Ter todas elas, ser gala seca e mesquinho, outro filhinho de papai com o carro do ano e o pênis ativo. Ligar o som, segurar a insuportável e horrenda lata de cerveja e dançar a música cheia de “cultura”. Olhar a tudo isso e repudiar, voltar atrás e desejar ser eu mesmo novamente. Continuar sendo menos superficial, embora isso não custe o sucesso que tanto sonho. Ser um fracassado; um idiota atrapalhado; uma besta quadrada; ignorante magricela, alvo de chacotas e brincadeirinhas; emotivo; emo deprimido; doente descuidado à beira da morte, ou à falha de um rim ou à beira da cegueira total, amputação de um membro ou coisa parecida; a eterna negação; a mais podre vergonha diante do espelho; aquele que sonha tanto e pouco realiza; sendo feliz por tão breves momentos, e sofrendo a maior parte do tempo; levando porrada sempre e sempre, mas seguindo em frente para ver certas pessoas felizes. Negar a tristeza e fingir a mais bela felicidade. Procurar o que mais quer mesmo já tendo tudo o que precisa. Ser panaca – panaquinha -, babaca e mais uma vez, alvo de chacota. O nerd que nunca é visto agarrando uma garota. O amigo que observa o sucesso dos outros e olha a si mesmo sem nada, sem ninguém, sem porra alguma. E por fim, voltar à cama e tentar dormir com o peso de ser isso: ser eu, a maior parte do tempo.

4 de agosto de 2011

Um desabafo, tantas decepções.


Com o tempo você aprende que as coisas não são tão fáceis ou simples. Com o tempo, suas visões se ampliam e a lógica infantil de que “tudo pode ser resolvido” desaparece, e o mundo começa a se mostrar mais obscuro diante de você. Nós crescemos, amadurecemos e lamentamos o fato de certas coisas permanecerem da mesma forma e que jamais mudarão. Isso implica em tantas questões de nossas vidas e não se limita apenas a poucos assuntos, mas a todos eles.
E nas últimas semanas, eu aprendi algo vital para o encaminhamento da minha mísera vida daqui pra frente: não podemos salvar o mundo, porque ele precisa aceitar sua própria salvação antes disso. Tomem esta frase e apliquem-na em suas vidas, garanto que chegarão à mesma conclusão. E graças a isso, hoje escrevo esse texto, refletindo toda a minha decepção e tristeza com as pessoas que mais estiveram ao meu lado durante toda minha vida: minha própria família.
É lamentável quando você demonstra verdades diante dessas pessoas, eles as consideram, mas continuam partindo dos mesmos princípios e ignoram essas tais verdades em função de benefícios superflúos e substituíveis – o pior: facilmente substituíveis. Não importa o que você faça ou diga, não importam as provas e evidências que mostremos a essas pessoas, elas jamais colocarão a sua pessoa em primeiro plano e nunca ponderarão seus argumentos. É justamente isso o que me fez perceber o quão mesquinho o mundo – a humanidade e a fétida raça humana – pode ser, já que embora todos os esforços estejam ali, diante dele e com o intuito de ajudá-lo, o mundo jamais alcançará a própria salvação se ele mesmo não se interessar em buscá-la.
Somente no momento em que as pessoas a minha volta levarem um tapa na cara – ah, e vai acontecer brevemente, e por mais duro e lamentável que isso seja, eu vou sorrir amargurado e direi “Eu avisei. Agora acho pouco” – é que a verdade os acometerá e irá clarear seus olhos há muito cegados. Talvez nem isso aconteça, mas tanto faz agora.
Minha decepção está crescendo, evoluindo e superando a benevolência e as relevâncias. Não consigo mais ser tão bom e compreensivo, e o jeito bom que sempre imperou em mim no sentido de não guardar mágoas já sumiu. O pior de tudo é que não posso mais fazer nada, e mesmo fazendo, eles – minha família – falarão mal de mim e puxarão o saco daquela tal pessoa que provocou todo esse desconforto familiar e destruiu nossos laços que outrora foi tão forte – eles não percebem isso, não dão importância a esse fator. Minha tristeza é grande, porque a cada dia que vivo, percebo que as coisas conspiram contra mim, e tudo o que eu mais sonho e desejo se afasta sempre, do mesmo modo como as más pessoas e péssimas influências conseguem voltar minha família contra mim, estando de baixo de nosso próprio teto.
Não sei o que vai ser daqui pra frente. Apenas a porra da decepção me contagia.  
Eu já desisti dessas pessoas e de toda essa hipocrisia que estão mantendo sob o próprio teto. Essa desistência causa algo ainda mais profundo, e toda a consideração por meus entes queridos hoje eu sinto morrer.
Para mim, tanto faz, tanto fez.  O mundo é desse jeito: você não pode salvá-lo, por maior e intensa que seja a tentativa. Deixe-os morrer, deixo-os se degradar, poluir e violentar. Importe-se consigo mesmo, salve a si próprio.
Dê o fora. É tudo o que importa.

2 de agosto de 2011

Estação do Sol


Mais um ano se passou, as férias chegaram e novamente terminaram. Com elas, as lembranças de uma época boa também estão ficando para trás, guardadas somente em nossas memórias e nas diversas fotografias. Como a vida, passageira e marcante, novamente o término deste período vai deixando sua marca em nossos peitos, e para os mais envolventes a dor da saudade deste tempo – e de tantos outros que já passaram – vai apertando os corações com uma iminente notícia: são tempos que jamais vão se repetir, coisas que ficam para trás. Nós recordamos os amigos que fizemos, e os amigos que nos fizeram companhia; as brincadeiras; as brigas; os desentendimentos; as gargalhadas; os abraços; os reencontros; os beijos e a troca de olhares; as aventuras mata adentro; as noites perdidas e as noites curtidas; os porres; o banho na praia, a fuga com a menina que você não vai voltar a ver por um bom tempo. Paramos para pensar em cada momento, os guardamos em cada canto de nossos corações, e os selamos na mente, para relembrarmos daqui a anos, ou contá-los para filhos e netos.
Mais uma vez, a época está passando e consigo as alegrias também. Esperamos que muitas outras venham, com mais envolvimentos e mais sorrisos. Pois essa é a grande cartada da vida: aproveitar cada milésimo de segundo juntamente com as pessoas que mais te fazem bem – que mais te fazem rir. Porque não sabemos se ainda estaremos dispostos para a mesma época no próximo ano, vivos e respirando, ou – pior – se estas pessoas ainda estarão ao nosso lado.
Saibam: não foi somente “mais um ano de férias”, mas sim outro momento da vida tão imprevisível que se estende diante de nós a cada dia. Eu apenas aproveitei cada segundo deste momento, fiz o que é certo, me deliciando de cada instante que ainda me resta ao lado dessas pessoas – conhecidas ou não. Passou, e infelizmente, jamais voltará atrás. Fiz o que pude. É o que importa: fazer valer a pena.